Suspeita de disparo de hélice e anúncio de retorno a pista: veja os últimos diálogos de pilotos de avião que caiu em Piracicaba em 2021

  • 23/02/2025
(Foto: Reprodução)
Relatório de investigação apontou excesso de peso, descuido com velocidade de aeronave e que uma manobra pode ter dado início à perda de controle. Área onde avião caiu, nas proximidades da Fatec, em Piracicaba Drone César Cocco Os pilotos do avião que caiu em Piracicaba (SP), em 14 de setembro de 2021, deixando sete mortos, chegaram a conversar após a decolagem sobre um suposto disparo de uma das hélices, que é um aumento anormal da rotação dela, e havia intenção de retornar à pista de onde partiram. As conversas foram reproduzidas no relatório final da investigação sobre o acidente, produzido Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) e divulgado na última semana. LEIA MAIS: Queda do avião ocorreu 15 segundos após decolagem Quem são os 7 mortos no acidente de avião em Piracicaba Vídeo mostra desespero de pessoas no aeroporto ao ver queda 'A gente não acreditou no que estava vendo', conta testemunha O documento apontou que a aeronave carregava excesso de peso, houve descuido dos pilotos com a velocidade e uma manobra pode ter dado início à perda de controle. Embora a aeronave tivesse histórico de reparo nas hélices, a investigação do acidente não identificou falha mecânica. Circuito de segurança grava momento em que avião cai em área de mata de Piracicaba Mudança de destino Ao detalhar o voo realizado no dia do acidente, o relatório revela que o copiloto foi avisado que a rota mudaria enquanto iniciava a preparação da cabine. Eles seguiriam direto para a Fazenda Tarumã, em vez do destino inicial planejado para o Aeródromo Santa Maria I, em Santa Maria das Barreiras (PA). Essa mudança, no entanto, não afetava significativamente o planejamento realizado, segundo o Cenipa. Câmera de segurança flagra queda de avião em Piracicaba Reprodução/ EPTV Bagagem para sete dias de estadia Antes do voo, os dois pilotos da aeronave realizaram inspeções. Foram embarcadas sete malas, além de uma caixa tipo cooler e outros itens que seriam utilizados pelos passageiros durante a estadia no destino, que era estimada em cerca de sete dias. Considerando bagagem, peso de tripulação e passageiros, do combustível e outros itens, a decolagem ocorreria com 623 quilos a mais do que o limite recomendado, o que foi considerado relevante por especialista ouvido pelo g1 (veja explicação nesta reportagem). Incêndio em mata de Piracicaba após queda de avião no bairro Santa Rosa Corpo de Bombeiros de SP Diálogos dos pilotos Após o embarque dos passageiros, os pilotos realizaram um checklist. A seguir, confira como foram os diálogos desde a decolagem até o acidente: Após a soltura dos freios, o piloto pediu confirmação de que a pista utilizada seria a 35, o que foi confirmado pelo copiloto; Durante movimentação da aeronave na pista, eles realizaram novas checagens dos sistemas; Quando o avião seguia para a cabeceira da pista, o piloto questionou o copiloto: "fazer barulho?", e o colega concordou, pontuando que daquele modo ficaria "mais bonito"; Segundo o relatório, foi possível perceber uma alteração no som das hélices. O piloto complementou que daquele modo era "bom para o táxi", mas reclamou do barulho; Após as checagens e preparações finais para decolagem, o piloto comentou que, "apesar da correria", referindo-se à retirada do avião da manutenção, ele havia saído "direitinho", e o copiloto concordou; Com a aeronave alinhada, foi iniciada a aceleração dos motores e ela passou a percorrer a pista para decolar. O copiloto anunciou as velocidades e outras diretrizes; Nesse momento, foi ouvido um alarme de estol com duração menor que 1 segundo. Segundo perito ouvido pelo g1, estol é uma perda de velocidade abaixo do mínimo que o avião precisa para manter a sustentação; O piloto informou "rodas freadas" e pediu o recolhimento do trem de pouso. Durante o recolhimento, o co-piloto informou que reduziria "um pouquinho", provavelmente ajustando os manetes de potência. O piloto informou a primeira redução; O co-piloto transmitiu que o avião havia decolado; A seguir, ouviu-se um bipe indeterminado, com duração menor que meio segundo. O copiloto perguntou o que ocorreu e o piloto respondeu: "disparo de hélice". O copiloto perguntou: "disparo de hélice?", e o piloto afirmou em tom calmo: "é". Especialista ouvido pelo g1 afirma que não houve disparo de hélice (veja explicação abaixo); Em seguida, o copiloto informou que retornaria à pista, ao mesmo tempo em que um tom contínuo de alarme de estol soou por cerca de 2 segundos; Foi ouvido um tom de alarme único (single chime), seguido do mesmo tom contínuo que havia soado anteriormente, e esse som seguiu até o fim da gravação; Então, o copiloto anunciou por sete vezes a palavra "push", possivelmente sugerindo que o manche fosse empurrado para abaixar o nariz da aeronave. Segundo especialista ouvido pelo g1, isso demonstra que ele tinha percebido a condição de estol; Na sequência, soou o aviso "don’t sink", que é um alerta disparado pelo sistema da aeronave quando se perde muita altura. Esse alerta continuou até o fim da gravação. Imagens mostram desespero de pessoas ao ver avião cair em Piracicaba Entenda o movimento de estol Na aeronave estavam o empresário Celso Silveira Mello Filho e sua família, além de piloto e copiloto. Após a decolagem, o avião caiu em uma área de vegetação, após apresentar movimento de estol. "O avião exige velocidade para manter a sustentação voando. E ele tem uma velocidade mínima onde ele vai perder a sustentação, ele não vai conseguir manter o voo. O estol é a perda de velocidade abaixo do mínimo que ele precisa para manter a sustentação e manter o voo", explica o perito e especialista em acidentes aéreos Roberto Peterka. Avião caiu em Piracicaba (SP) na manhã de terça-feira (14) PAULO RICARDO/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Excesso de peso Segundo o relatório, o avião operava com 623 quilos acima do peso máximo. "Foram utilizadas as velocidades e parâmetros de uma decolagem típica, reduzindo-se a potência pouco após o recolhimento do trem. Nesse contexto, não ocorreu a avaliação adequada dos parâmetros de voo, culminando com a condição de estol da aeronave", aponta trecho da conclusão do documento. Segundo Peterka, os 623 quilos a mais são relevantes para as decisões de voo com esse tipo de aeronave. "Ele [piloto] precisaria de um pouco mais de velocidade para decolar [acima do peso] porque ele estaria exigindo maior esforço das hélices, que é a tração. Primeiro que ele não deveria decolar com excesso de peso. Mas, como ele decolou, o que eles dizem no relatório é que ele precisaria aumentar a velocidade na pista para poder sair. Ou seja, no linguajar da aviação, ele tirou o avião mole. O avião não tinha a sustentação adequada. Vejam que eram 600 e tantos quilos a mais. Para esse avião é relevante, sim", analisa Peterka. Acidente aéreo mata sete pessoas em Piracicaba Rotação maior em hélice e velocidade reduzida A investigação identificou que a hélice esquerda estava operando a uma rotação por minuto (RPM) mais alta em comparação à hélice direita. Focados nisso, os pilotos teriam descuidado da velocidade. "No voo da ocorrência [do acidente], a tripulação fixou-se no excesso de rotações por minuto (RPM), não tendo notado, em tempo hábil, que a velocidade se reduzia, fato que limitou a possibilidade de se reagir tempestivamente à condição de estol", diz trecho da conclusão do relatório. O documento traz análise da condição de percepção dos pilotos diante da situação. "A condição de estol, provavelmente relacionada à gradual redução de velocidade que se seguiu à redução dos manetes de potência, não foi percebida em tempo hábil para que pudesse ser projetada uma reação. Naquele contexto, houve a percepção exclusivamente da condição de RPM da hélice ligeiramente excessivo". Professor de engenharia aeronáutica da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, James Waterhouse também chama a atenção para um descuido do piloto neste momento. "Eles [pilotos] ouviram uma variação de ruído na hélice e o piloto interpretou como um disparo de hélice. Foi um aumento [de rotação da hélice] considerado pelo relatório dentro da faixa normal, ainda não passivo de classificação como realmente disparo. Em função disso, o piloto acabou descuidando da velocidade do avião. Ele descuidou da velocidade, não prestou atenção. Ele ficou muito focado na hélice e o avião começou a entrar no fenômeno chamado estol", explica Waterhouse. Arte G1 Manobra pode ter dado início à perda de controle O professor acrescenta que o piloto optou, de maneira equivocada, por realizar uma manobra conhecida como embandeiramento ou passo bandeira da hélice. Ele explica que isso significa reduzir a velocidade da hélice e avalia que foi o fator que mais contribuiu para o acidente. "Primeiro, ele interpretou um disparo [da hélice], coisa que de fato não era. Era só um aumento normal de rotação. Segundo, ele reduziu a velocidade da hélice porque por muito tempo ele voou com um avião bandeirante que tinha como procedimento, em caso de disparo de hélice, reduzir o passo [rotação]. E ele o fez, só que colocou na posição de passo bandeira, que é quando a hélice fica sem nenhuma tração. E nisso daí o avião já estava em estol, que é uma velocidade baixa, o fenômeno que acontece quando o avião mais precisa de motor", detalha. "Um possível comandamento do embandeiramento dessa hélice pode ter dado início à perda de controle da aeronave", diz trecho do relatório do Cenipa. Peterka faz uma comparação para explicar o desequilíbrio entre as rotações das hélices: "Quando você tem dois motores, imagina dois remadores. Um remador da esquerda rema, rema, rema e o da direita não rema. O que vai acontecer? O remador da esquerda vai fazer com que o barquinho vire para a direita. E foi o que aconteceu: o passo da hélice bandeira deixou de ter tração e o outro motor teve excesso de velocidade. Ele [avião] girou. [...] Se inclina muito, perde toda a sustentação e vem para o chão". Momento da queda do avião em Piracicaba Reprodução/GloboNews Sem indícios de falha mecânica, diz especialista Com base nas análises do relatório, Waterhouse também afirma que não foram identificados indícios de falha mecânica. "Todos os sistemas foram retirados dos destroços e foram analisados em bancada e nenhum dos sistemas foi constatado defeito. Imaginava-se nesse acidente que havia tido um problema mecânico e esse problema mecânico, de acordo com o relatório, ele não pôde ser constatado em nenhum dos ensaios. Não existe nenhuma evidência de que algum dos componentes estivesse com defeito", completa. Recomendação de reciclagem de pilotos Segundo o Cenipa, o relatório é voltado a prevenir outros acidentes futuros. Na conclusão, foi recomendado à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mudança no protocolo para reciclagem de pilotos deste modelo de aeronave, uma vez que houve mudanças em normatizações sobre esse avião. Ao g1, a Anac informou que recebeu o documento e, nos devidos prazos processuais, analisará as recomendações para avaliar as medidas cabíveis. Vítimas do acidente aéreo em Piracicaba Reprodução/ TV Globo Quem são as vítimas No avião estavam o empresário Celso Silveira Mello Filho e sua família, além de piloto e copiloto. Celso era acionista da usina Raízen Cosan. Era irmão do presidente do Conselho de Administração da companhia, o bilionário Rubens Ometto Silveira Mello. A Cosan, da qual a Raízen é subsidiária, é uma das maiores produtoras e processadoras de cana-de-açúcar e uma das maiores produtoras de etanol do mundo. Veja quem são as vítimas: Celso Silveira Mello Filho, 73 anos Maria Luiza Meneghel, 71 anos Celso Meneghel Silveira Mello, 46 anos Camila Meneghel Silveira Mello Zanforlin, 48 anos Fernando Meneghel Silveira Mello, 46 anos Piloto: Celso Elias Carloni, 39 anos Copiloto: Giovanni Dedini Gullo, 24 anos Veja reportagem completa sobre o acidente e as investigações no Jornal da EPTV 2ª Edição Entenda o que ocorreu ponto a ponto O empresário Celso Silveira Mello Filho, sua esposa, três filhos, piloto e copiloto partiram pouco antes das 9h do Aeroporto de Piracicaba. A viagem teria como destino o Pará, para uma fazenda da família, onde passariam uma semana. O avião caiu 15 segundos após a decolagem, em uma área de mata próxima à Faculdade de Tecnologia (Fatec) da cidade. O Corpo de Bombeiros foi acionado e no local encontrou as sete vítimas já mortas, carbonizadas. O Cenipa e a Polícia Civil foram acionados para realizar as investigações sobre a causa do acidente. No local, equipes localizaram a caixa preta do avião, onde o histórico de voo é armazenado. Ela foi analisada para produção do relatório final. Destroços do avião também foram recolhidos e foram analisados pelo Cenipa. De acordo com a FAB, a documentação e manutenção da aeronave estavam em dia. O avião foi fabricado em 2019 e é considerado de alta versatilidade por especialista. A última manutenção foi realizada em 23 de agosto. O retorno da oficina ocorreu na véspera do acidente. VÍDEOS: queda de avião em Piracicaba Veja mais notícias da região no G1 Piracicaba Veja mais notícias da região no G1 Piracicaba

FONTE: https://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2025/02/23/suspeita-de-disparo-de-helice-e-anuncio-de-retorno-a-pista-veja-os-ultimos-dialogos-de-pilotos-de-aviao-que-caiu-em-piracicaba-em-2021.ghtml


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